“Viva Doutor Lu Olo!”, exultou a multidão reunida no Comité Central da FRETILIN em Comoro, Díli, a 13 de Janeiro de 2012, quando Francisco Guterres Lu Olo, actual Presidente da FRETILIN, anunciou a sua candidatura às eleições presidenciais de 17 de Março próximo. Não pude deixar de sorrir perante o simbolismo da combinação de Dr. (Doutor) – título por que é tratado quem conclui uma licenciatura em Direito – com “Lu Olo” – nome de código da resistência – tendo em conta que nas eleições presidenciais de 2007 algumas pessoas apontaram a falta de habilitações formais como um motivo para não votar em Lu Olo na segunda volta. Não que Lu Olo dê muita importância ao facto de lhe chamarem Dr. Lu Olo ou simplesmente Lu Olo. Ele melhor do que ninguém sabe que é o que fazemos e não o título que possamos ter que nos define como pessoas.
O surgimento de Lu Olo como um líder nacional após a restauração da independência é uma interessante lição de liderança. A história tem mostrado em muitas ocasiões que não há uma fórmula ou combinação mágica para que alguém se faça um líder de sucesso. Alguns são líderes natos, outros dedicam-se a processos de formação intensa, outros ainda fazem-se líderes de sucesso à medida que ultrapassam as provações, as tribulações, os sucessos e os fracassos da vida. A história de Lu Olo, como alguém que amadureceu e fortaleceu o seu carácter com o passar dos anos, encaixa-se nesta última categoria.
Porém, para percebermos Lu Olo, para percerbermos o seu percurso e para percebermos por que razão ele é um dos candidatos na linha da frente às eleições presidenciais, temos de recuar àquele dia fatídico de 1975 em que a Indonésia invadiu Timor-Leste. Naquela altura, Lu Olo tinha 21 anos de idade e era professor do ensino primário no Colégio de Santa Teresinha em Ossú. Lu Olo viu-se forçado a fugir para as montanhas onde se juntou ao pelotão armado comandado por Lino Olokassa. Durante todo o período da ocupação militar indonésia (1975-1999) Lu Olo esteve nas montanhas como guerrilheiro da resistência e activista político, tendo sobrevivido às campanhas de cerco e aniquilamento nos últimos anos da década de 70 e aos ataques militares indonésios dos primeiros anos da década de 80, que causaram a morte a muitos dos seus amigos e familiares. A sua primeira esposa, Clotilde Maria de Fátima, foi morta a 15 de Novembro de 1981 em Builó, Viqueque. Este acontecimento marcou-o profundamente, de tal modo que só conseguiu voltar a casar-se depois da independência.
Durante o período da resistência, Lu Olo assumiu várias posições na FRETILIN: foi secretário para a região da costa leste no Matebian (1976), delegado do comissariado para o sector da ponta leste (1978) e comissário político nacional (1984). Em 1987, quando a resistência foi reestruturada com a criação do Conselho Nacional da Resistência Maubere (CNRM) e Xanana Gusmão foi nomeado líder do CNRM, Ma’ Huno foi nomeado Secretário da Comissão Directiva da FRETILIN – o órgão máximo do partido – enquanto Lu Olo, Ma’Hodu e Konis Santana foram nomeados Vice- Secretários.
Nos anos que se seguiram à criação do CNRM, Xanana Gusmão (1992) Ma’Hodu (1992) e Ma’ Huno (1993) foram capturados pelos militares indonésios. Xanana foi enviado para uma prisão indonésia, enquanto Ma’Huno e Ma’Hodu foram libertados mas mantidos sob apertada vigilância. Em 1998, Konis Santana, que havia substituído Ma’Huno como líder da FRETILIN em 1993, morreu de doença.
Será do conhecimento de poucos que após a morte de Konis Santana em 1998, Lu Olo escreveu à Delegação Externa da FRETILIN para que a liderança da FRETILIN fosse transferida para a Delegação. O pedido foi recusado por Mari Alkatiri, o líder da Delegação Externa e, tal como no passado, a Delegação Externa deixou claro que a liderança da FRETILIN – ainda que em circunstância difíceis – tinha de permanecer em Timor-Leste.
Em reforço desta posição, numa conferência extraordinária da FRETILIN realizada em Sydney em 1998, Lu Olo foi eleito Coordenador Geral do Conselho Presidencial da FRETILIN, a mais alta posição no partido à data.
No início de 1999 Lu Olo viajou até Dili onde ficou por 3 meses, em diferentes casas-abrigo, com o objectivo de reorganizar a FRETILIN. A crescente tensão sentida na cidade face às movimentações das tropas indonésias, fez Lu Olo regressar a Waimori, Viqueque, de onde continuou a liderar a FRETILIN. Em 30 de Agosto de 1999, dia do referendo da independência, Lu Olo votou em Liaruka, Ossú, tendo-se deslocado para o acantonamento das FALINTIL no Remexio, onde ficou até à saída da administração indonésia de Timor-Leste.
O fim da ocupação indonésia trouxe novos desafios para Lu Olo que, tal como muitos veteranos da resistência, após 24 anos de luta contra o inimigo comum, se viram obrigados a enfrentar a transição para a vida civil. Para Lu Olo havia ainda um outro desafio importante, o de ajudar a liderar a FRETILIN no processo de transição de um movimento de resistência para um partido político, uma tarefa fortemente condicionada pelas elevadissimas espectativas trazidas pela independência e por se tratar de um partido histórico como o é a FRETILIN.
Em fins de 1999, Lu Olo pôde, finalmente, conhecer pessoalmente Mari Alkatiri, o membro mais sénior da FRETILIN na frente diplomática, tendo ambos iniciado de imediato a reorganização da FRETILIN. No primeiro congresso nacional do partido, a 15 de Julho de 2001, Lu Olo foi eleito Presidente da FRETILIN. Nas eleições para a Assembleia Constituinte de 2001, das quais a FRETILIN saiu vitoriosa, Lu Olo foi eleito membro da Assembleia e, depois, o seu Presidente. Lu Olo presidiu à Assembleia Constituinte durante todo o processo de redacção e aprovação da Constituição da Repúbica Democrática de Timor-Leste.
Em 20 de Maio de 2002, data da restauração da independência, Lu Olo tornou-se o primeiro Presidente do novo Parlamento Nacional. No período em que presidiu ao Parlamento Nacional, o Parlamento aprovou várias leis estruturantes para o país e ratificou importantes convenções internacionais e tratados, designadamente o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional sobre Direitos Económicos, Sociais e Culturais, bem como tratados relativos ao mar de Timor. Foi durante a presidência de Lu Olo que o Parlamento Nacional aprovou por unanimidade a Lei sobre o Fundo Petrolífero, sem dúvida uma das mais importantes leis aprovadas após a restauração da independência.
Em Maio de 2006, a FRETILIN realizou o segundo congresso nacional num ambiente político altamente marcado pela deserção do exército de várias centenas de soldados, ocorrida em Fevereiro do mesmo ano. Lu-Olo foi re-eleito Presidente e Mari Alkatiri Secretário Geral do Partido por 89% dos delegados do Congresso.
Durante a crise de 2006, que teve o propósito de desestabilizar a governação da FRETILIN e o Parlamento Nacional, Lu Olo desempenhou um papel fulcral ao trabalhar em conjunto com outros líderes nacionais para evitar uma guerra civil. Como líder da equipa de negociações da FRETILIN, Lu-Olo foi uma peça chave para ultrapassar o impasse político que levou à formação do segundo governo constitucional. Lu Olo é um dos poucos líderes nacionais que não foi objecto de crítica pela Comissão Internacional de Inquérito que investigou a crise de 2006.
Nas eleições presidenciais de 2007, Lu Olo participou na primeira volta juntamente com sete candidatos, tendo obtido o primeiro lugar com 27,89% dos votos. Na segunda volta, Lu Olo recebeu 31% dos votos contra os 69% dos votos recebidos pelo actual Presidente da República, José Ramos Horta. Lu Olo tornou-se o primeiro candidato de sempre a declarar os seus bens e rendimentos, o que nunca aconteceu em nenhuma outra eleição.
A campanha eleitoral de 2007 foi negativamente marcada pelos ataques feitos a Lu Olo motivados pela sua falta de habilitações literárias. Lu Olo foi ainda acusado pela equipa de campanha de José Ramos Horta de ser proprietário de uma casa em Viqueque no valor de 700 mil dólares. Apesar da campanha movida contra si, Lu Olo deu a todos uma lição de liderança ao aceitar a sua derrota e ao incitar os seus apoiantes a fazer o mesmo.
Após a derrota para as eleições presidenciais, Lu Olo e Mari Alkatiri lideraram a campanha da FRETILIN para as eleições parlamentares de 2007, nas quais o partido obteve 29,2% dos votos a nível nacional. Numa decisão envolta em controvérsia, o actual Presidente da República, José Ramos Horta, não chamou a FRETILIN para formar governo, e o partido assumiu o seu papel de oposição no Parlamento Nacional. Lu Olo, cabeça de lista da FRETILIN, optou por não exercer o seu mandato parlamentar e antes concentrar os seus esforços na restruturação do partido, abrindo o caminho para que jovens deputados da FRETILIN assumissem a linha da frente. Em 2011, em eleições directas históricas, Lu Olo foi eleito pela terceira vez consecutiva Presidente do partido.
No campo pessoal, Lu Olo casou com Cidália Mouzinho em 4 de Maio de 2002 e desta união nasceram 3 filhos: Francisco Cidalino Guterres (Olo Kai), Eldino Nobre Guterres and Felizito Samora Guterres. Em 2005, Lu Olo deu finalmente início ao seu antigo desejo de estudar, quando começou a frequentar o curso de direito leccionado por professores disponibilizados pela Fundação das Universidades Portuguesas (FUP). A licenciatura em Direito, de 5 anos, adopta um modelo baseado nas licenciaturas em Direito das Universidades Portuguesas, e, sem margem para dúvidas, contribuiu para reforçar os conhecimentos jurídicos e sobre processo legislativo adquiridos por Lu Olo durante o seu mandato como Presidente do Parlamento Nacional. Lu Olo concluiu o curso de Direito e vai graduar-se oficialmente em Abril de 2012.
Muito se tem dito sobre a licenciatura de Lu Olo sem que se reconheça o devido valor ao facto de alguém na sua posição ter voltado a estudar. No entanto, ao aceitar a derrota nas eleições presidenciais de 2007 e ao ter completado 5 anos de estudo, Lu Olo tornou-se o primeiro líder nacional a afastar-se da vida pública e a dar passos positivos para se tornar uma melhor e mais qualificada pessoa. Num país onde os políticos raramente admitem os seus erros e encaram com dificuldade afastar-se do poder, o processo de auto-reflexão e auto-desenvolvimento de Lu Olo é um exemplo a seguir por outros líderes e demostra, acima de tudo, que Lu Olo pode e irá eventualmente ultrapassar estas situações. É de realçar ainda que Lu Olo é o primeiro veterano da resistência armada que, após ter passado 24 anos no mato, completou um curso do ensino superior. Numa altura em que o papel dos veteranos é uma questão importante, Lu Olo mostrou que também há outros papéis a assumir e outros caminhos a percorrer para os veteranos. Estudar pode não ser para todos, mas é uma opção real e possível. Não é por isso estranho o facto de outros veteranos da resistência armada, como Sabika e Filomeno Paixão, e veteranos da frente clandestina, como o saudoso Francisco Benevides, David Ximenes e José Manuel Fernandes terem completado ou estarem a completar o curso de direito. Acima de tudo, Lu Olo deixa um excelente exemplo para a geração de jovens timorenses que lutam contra os desafios de um Timor-Leste independente. Estudar não será uma solução para todos os problemas, mas ver alguém que, com mais de 50 anos de idade e depois de uma vida difícil perante os padrões mais exigentes, completou 5 anos de estudos, é inspirador.
No dia em que Lu Olo anunciou a sua candidatura às eleições presidenciais, foi claro para mim que o Lu Olo de hoje é bem mais assertivo e confiante do que o Lu Olo que concorreu às mesmas eleições em 2007. A combinação de vários elementos felizes na sua vida - ter assumido a liderança de um órgão de soberania, ser um orgulhoso chefe de família, ter obtido a educação que sempre desejou – são as peças que faltavam no puzzle da sua história de liderança. (Olhando para trás, a confiança que Lu Olo adquiriu
com a frequência do curso de direito, foi a mesma que vi no falecido e saudoso Francisco Benevides. Quando Benevides, com 60 anos, concluiu, em 2010, o seu curso de direito, foi como se tivesse renascido, revivendo a sua juventude nos últimos anos da sua vida ao iniciar a sua nova carreira como advogado. Foi inspirador ver o entusiasmo de Francisco Benevides com a possibilidade de usar os conhecimentos adquiridos no curso para continuar a servir o país e o povo pelo qual lutou toda a sua vida. Acredito que Lu Olo sente o mesmo entusiasmo e tem o mesmo objectivo no seu papel como Presidente da República).
Um dia, alguém irá pintar o retrato de Lu Olo em sua homenagem - Lu Olo o professor, Lu Olo o activista político, Lu Olo o combatente da libertação, Lu Olo o chefe de família, Lu Olo o Presidente da FRETILIN, Lu Olo o primeiro Presidente do Parlamento Nacional, Lu Olo o estudante universitário, Lu Olo o licenciado em Direito – e pendurá-lo numa das paredes do Colégio de Santa Teresinha em Ossú onde tudo começou há 36 anos atrás.
A sua postura discreta - nunca chama a atenção para si, não culpa os outros pelas suas falhas e não se aproveita dos seus sucessos - fala por si. Se os grandes líderes de 1975, que já não estão entre nós, tivessem que escolher timorenses que representassem os valores e ideais que estiveram na fundação desta nação, o retrato de Lu Olo seria um exemplo orgulhosamente erguido.
Mas a história de Lu Olo não é uma história de sucesso só da FRETILIN; é uma história de sucesso de Timor-Leste. Como alguém que marcou profundamente a resistência, que transitou com sucesso para a vida civil e que tem os melhores anos à sua frente, Lu Olo é a ponte entre o passado, o presente e o futuro de Timor-Leste. Nos dias de hoje, em que a sociedade timorense luta pela definição da sua identidade nacional, para ultrapassar os traumas deixados pelo passado e para aproveitar as oportunidades do presente e do futuro, esta é uma rara e poderosa combinação a ter. É ainda muito cedo para se dizer qual a herança de Lu Olo e o seu impacto na sociedade timorense. Quando a campanha eleitoral começar oficialmente a 29 de Fevereiro, Lu Olo terá a oportunidade de nos mostrar a sua notável transformação e apresentar os seus argumentos irrefutáveis para se tornar o próximo Presidente da República Democrática de Timor-Leste.
Por Sahe Da Silva
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